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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

"VERGONHA", TEXTO SOBRE O MUSEU NILO PEREIRA DE CEARÁ-MIRIM/RN, ESCRITO POR ORMUZ BARBALHO SIMONETTI

VERGONHA

Foi com muita tristeza que, pela segunda vez, nesses últimos três meses, visitei as ruínas do que foi, há bem pouco tempo, o Museu Nilo Pereira em Ceará-Mirim RN. No último mês de maio, lá estive no finalzinho de tarde quando voltava de minha chácara, que fica no vizinho município de Maxaranguape. Naquela ocasião fui atraído pela beleza da lua cheia que surgia por trás do casarão do antigo Engenho Guaporé. Construído em meados do Século XIX, mais precisamente em 1850, em estilo neoclássico, o casarão foi residência do segundo vice-presidente da província do Rio Grande do Norte, Vicente Nelson Pereira, genro do Barão de Ceará-Mirim.
Fazia algum tempo que não percorria aquela estradinha que lava ao casarão. Costumava visitá-lo nos anos 80 e 90, quando trabalhava no Banco do Brasil e fazia fiscalização nas propriedades rurais da região.
Aproveitei o ensejo para ver de perto, a situação em que o mesmo se encontrava, pois naquela semana havia me chegado, por e-mail, uma filmagem de vândalos atirando pedras nos vidros que adornavam portas e janelas. Era uma cena deplorável. Uns rapazes filmavam os outros, que naquela euforia bestial, se revezavam em atirar pedras, ao tempo que deliciavam-se com a destruição do patrimônio público e a memória da cidade. Fiquei horrorizado pela cena e lamentei que aquilo estivesse sendo praticado por jovens, que pareciam ser estudantes que para ali tinham se dirigido com esse propósito, já que o museu está localizado em uma área que não é passagem para lugar nenhum.
Infelizmente a situação em que se encontrava o Museu, era pior do que eu havia imaginado. A guarita que fica na entrada, estava em ruínas. Suas portas e janelas foram arrancadas, e parte o telhado já havia caído. A estrada, calçada com blocos de cimento, que dá acesso ao Solar, estava totalmente coberta pelo mato, assim como o estacionamento.
Aproximei-me da porta, mas não tive coragem de entrar, pois como disse, já estava escuro e as casas de marimbondos caboclos, pendiam das portas e janelas em posição ameaçadora. Eram eles, junto com morcegos os guardiões daquele patrimônio. Na entrada principal, impávido, lá estava um grande sapo cururu, bem postado na soleira, como se fosse o mordomo a espera do visitante. Esperava, talvez, alguma mariposa descuidada que por ali passasse em busca dos canaviais, que lhe complementaria sua refeição diária. Fiz algumas fotografias e prossegui viajem.
Hoje, como retornei da chácara mais cedo e estava acompanhado por alguns amigos, resolvi percorrer novamente aquele caminho coberto de mato, que leva ao Museu, com a intenção de mostrar aos amigos que me acompanhavam a situação de abandono que se encontrava aquele patrimônio de inestimável valor histórico. Novamente me senti desconfortável diante daquelas ruínas, principalmente por ele ser parte da história da cidade de Ceará-Mirim, cidade que aprendi a amar e respeitar desde que aqui cheguei no início dos anos 80, para inaugurar a Agência do Banco do Brasil. Fiz e faço parte dessa cidade onde trabalhei durante 23 longos anos e conquistei grandes amigos.
Diante daquele quadro desolador, não pudemos deixar de nos perguntar: onde estão os Órgãos Públicos encarregados de manter e conservar aquele patrimônio? Porque deixaram a situação chegar até esse ponto? Que foi feito do mobiliário antigo que aqui existia? Onde estão as várias peças, confeccionadas em jacarandá, e o belo piano de calda que adornava a sala principal? É bem provável que hoje faça parte da mobília da casa de algum esperto, do tipo que considera o patrimônio público, como privado.
Adentramos ao casarão e pudemos constatar o que já imaginávamos quando chagamos próximos a entrada principal. Um verdadeiro espetáculo de destruição. Para todos os lados que olhávamos e por todos os cômodos que passávamos a visão era a mesma. Cheguei ao pé da bela escada de madeira que lava ao sótão e resolvi subir. Temeroso pela minha segurança, pois não sabia o estado que ela se encontrava, prossegui degrau por degrau até chegar lá em cima. A todo tempo me desviando de morcegos e marimbondos, consegui chegar são e salvo até a parte mais alta do velho casarão. 

O sótão, composto por vários cubículos, é beneficiado por uma boa ventilação. Uns compartimentos com mais altura e outros, acompanhando o telhado, terminam em locais tão baixos que não permitem uma pessoa ficar em pé. No centro, onde fica a parte mais alta, uma janela para o nascente e outra para o poente, compõem sua arquitetura. Daquele local a visão é deslumbrante. Para o nascente se descortina o verde vale com seus canaviais ondulados ao sabor do vento. Para o poente vemos alguns coqueiros centenários e por trás deles o verde escuro da mata, que esconde aos pouco o crepúsculo que chega com o final da tarde, também constitui uma visão maravilhosa.
Ainda foi possível observar que a última seção do corrimão da escada, que também servia de parapeito, havia desaparecido. O piso ainda apresenta bom estado, em virtude de ter sido feito com madeira de lei. Entretanto, não pude deixar de notar que algumas tábuas estavam soltas, como se alguém as tivesse “preparado” para lavá-las em outra oportunidade. Talvez a mesma pessoa que se apropriou indevidamente do corrimão da escada.
Quando já me preparava para descer, fui surpreendido com uma visão inusitada. Num canto do corredor, que separa as duas extremidades da casa, quase despercebido, lá estava imóvel e bem acomodado, o velho cururu. Não sei como o batráquio conseguiu chegar até aquele local, pois para isso, teve que vencer três lances de uma escada íngreme e de degraus muito estreitos.
Mas, o importante é que ele conseguiu, pelo simples fato de ter tentado. E nós porque não tomamos o exemplo daquele velho morador do museu e também tentamos fazer algo para salvar aquele monumento enquanto as paredes ainda resistem ao abandono, ao descaso das autoridades e ao ataque dos vândalos?
Por que não tentamos conseguir um pouquinho do nosso suado dinheiro, que principalmente nessa época, é usado na compra de votos e consciências desse nosso povo sofrido e culturalmente ignorante, para recuperar uma parte da nossa memória? É justamente MEMÓRIA o que mais nos falta. Está literalmente em nossas mãos a oportunidade de mudar, escolhendo administradores comprometidos com a melhoria da Nação, principalmente no que se refere à educação. Um povo sem educação é presa fácil e sempre será refém de políticos espertalhões.


ORMUZ BARBALHO SIMONETTI 
(Presidente do Instituto Norte-Rio-Grandense de Genealogia e 
membro do IHGRN e da UBE-RN)
Natal, 13 de agosto de 2010.



FONTE: http://outraseoutras.blogspot.com/

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