DA CULTURA IMPRESSA?
por Antonio Nahud Júnior (*)
Há muito se alerta sobre o empobrecimento da linguagem nos meios de comunicação. Vez ou outra seminários e encontros, no exterior e aqui, debatem sobre a responsabilidade dos jornalistas como modelo do uso da língua. Assim como certamente outras pessoas, orgulho-me de ter aprendido a ler com o convívio diário de jornais - comprados por meu pai, um ávido e versátil leitor. A ler me ensinaram na escola, claro; ao que me refiro é a compreender e deleitar-me com a leitura. Hoje sei que foi com o passar de olhos constante na “Ilustrada” e no “Folhetim” da “Folha de S. Paulo” que comecei a me tornar jornalista, muito antes de militar na área. Eu recortava, guardava numa pasta, lia e relia Sérgio Augusto, Pepe Escobar, Matinas Suzuki Jr., Otto Lara Rezende, Luís Antônio Giron, Mário Sérgio Conti e – naturalmente – o mestre Paulo Francis. Textos elegantes, aprofundados, análises que me ajudavam, efetivamente, a tomar decisões. Terminei por acreditar que jornalistas têm uma alta responsabilidade. Sem pretendê-lo, convertemo-nos em referência lingüística para boa parte da sociedade informada. Afinal, quem resiste à uma matéria inteligente e criativa?
O verbo é o rei, analógico ou virtual, pois dele nasce o pensamento. Também já é de domínio público que o excesso de informação superficial é a maneira mais moderna de estar desinformado. Somente driblando os incansáveis truques dos meios de comunicação para não ser ludibriado pelas miragens marqueteiras. Nesse contexto, todo jornalista deve refletir sobre sua responsabilidade no uso da informação e do idioma. A clareza da linguagem garante a clareza da informação. O profissional que cuida das palavras – evitando acumular redundâncias e pleonasmos ou flerte com palavras de outras línguas - geralmente será cuidadoso com a informação. É muito difícil encantar o leitor se não conhecemos e louvamos as palavras que utilizamos. Um jornalista que não tem um bom conhecimento do seu idioma e não faz um uso exemplar dele deve mudar de profissão, evitando assim a exposição pública da mediocridade. Não há como se enganar: a credibilidade e o prestígio de um jornal são inseparáveis da qualidade e respeito pela língua.
Existem tendências atuais que, de certa maneira, descuidam e prejudicam o uso do idioma: a virtual, a globalização e a vulgarização da linguagem em programas de rádio e televisão. O predomínio do audiovisual tem gerado leitores com insuficiente capacidade intelectual. A palavra tosca se espalha como um vírus devastador, com ofertas e descontos, crescendo a cada dia a falta de prestígio da linguagem nos meios de comunicação. Para combater essa banalização democrática necessita-se estar munido de garra, elegância, rigor, relevância. Como recomendou Gay Talese, um dos fundadores do “New Journalism”, o jornalista precisa descrever a realidade com o cuidado e o talento de quem escreve um romance. Concordo com ele, a notícia se fortalece quando escrita como ficção; pronta para ser lida com prazer. Lembremos, sempre, que a tarefa do jornalismo classudo é contar para o cidadão, da melhor maneira, o que ele não saberia de outro jeito. Simples assim.
Sabe-se que é cada vez mais freqüente a fusão entre informação, opinião e propaganda. Tudo devido aos interesses econômicos e políticos dos grupos de comunicação ou dos próprios jornalistas. Isso atrapalha o leitor, que muitas vezes não sabe se está lendo um informe verídico ou publicitário. Dessa forma, o pensamento como notícia se converteu em mais uma mercadoria vendável, muitas vezes sem rumo ou prumo, descartável, ou ainda pior, nociva e corrupta. E não há como negar, o jornalista engajado é sempre um mau jornalista. Militância e jornalismo não combinam. Por que se permite que assessores de políticos ou empresas colaborem diretamente com a mídia? A imprensa hoje, mais do que em qualquer época, esta sendo pautada pelas informações vindas dos gabinetes do poder, sem qualquer verificação de veracidade. Cada declaração oportunista de políticos notórios é reproduzida pelos jornais, televisões, emissoras de rádio, sites e blogs, sem, contudo, representar algo de novo ou substancial. O leitor também está cansado do denuncismo mediático. Sobram acusações, mas faltam investigações e análises das denúncias, deixando de respeitar os fatos, o compromisso com a verdade, a independência e a integridade.
É evidente que os jornais perdem leitores em todo o mundo. Prisioneiros das regras ditadas pelo marketing, estão parecidos, previsíveis e, conseqüentemente, enfadonhos. Não procuram desnudar o que o ganancioso marketing esconde. O leitor quer algo mais, cansou do insosso e incolor. Menos história oficial e mais vida. Menos frivolidade e mais consistência. Reclama realismo, ética, qualidade e um bom uso da linguagem. No fundo, ele sabe que nada, nada mesmo, supera a qualidade do conteúdo. Só um produto consistente tem a marca da permanência. Só um jornalismo inteligente e digno seduz verdadeiramente. Qualidade editorial e credibilidade são, em todo o mundo, a única fórmula para atrair novos leitores e anunciantes. Noutra estratégia, o jornalismo deixa de ser socialmente relevante. Ainda assim, mesmo com pedras no caminho, acredito que o jornalismo de qualidade existe e continuará existindo, embora este só possa ser produzido por profissionais treinados, independentes e dedicados que escrevam tão bem quanto romancistas.
(*) Escritor e jornalista com matérias publicadas nos jornais Diário de Notícias (Portugual), La Vanguardia (Espanha), Folha de S. Paulo, O Tempo (MG), A Tarde (BA) e diversos outras publicações brasileiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário será bem vindo!