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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

GUAPORÉ. POR: Diógenes da Cunha Lima

DIÓGENES DA CUNHA LIMA

Baixe DIÓGENES ...jpg (111,0 KB)

MUSEU NILO PEREIRA
EM CEARÁ-MIRIM/RN

GUAPORÉ
(Poema jacente e subjacente em discurso de Nilo Pereira)
Autor: Diógenes da Cunha Lima
Guaporé, velho solar
Abandonado nas sombras,
Afrancesado, ruínas,
Visíveis galgos de louça
Vigiam homens de outrora.
Um repuxo d'água canta
Sua cantiga molhada
As estátuas lá em cima
Simbolizando o Trabalho,
Agricultura e Comércio,
Lampiões de cada lado.
Da porta quase desfeita
Um jardim, verde sem fim,
Ladeia a sóbria mansão.

Em frente, a casa de banhos
Semelha simples igreja
Paredes encobrem a nudez
Banhista d'água corrente.
A brisa toma a manhã
E cobre o canavial,
Cambiteiro descoberto
Cantando, vem, bem-ti-vi.
E o neto da casa, sábio,
Os olhos vazando o tempo
Vê coisas, paisagens, gente,
Presenças de antigas eras.
Na solidão animada,
Nos verdes do vale sonho,
Vicente Ignácio Pereira,
Barba à Pedro II.
Reconstrói sua morada.
Suas botas de Senhor
(Desenhos no couro cru)

Pisam no chão encharcado.
Às suas ordens tijolos
E argamassa se casam
Enquanto a cana açucara
No parol, a almanjarra,
Garapa, mel, rapadura,
Rolete, canavial,
Cachaça de bagaceira.
Vicente Ignácio Pereira
Cuida de muitos doentes,
Escreve de experiência
Sobre cólera mortal,
Lê contos, faz jornalismo,
E assegura a vitória
Do Partido Liberal.

Lembra que foi Presidente
Da Província Rio Grande
Na seca mor dos Dois Sete,
Victor de Castro Barroca
Vai por seu mando ajudar
Aos retirantes, no vale.
Vicente Ignácio Pereira
Dá ordens para o passado
E o Guaporé logo expulsa
Seu silêncio espectral.
O salão nobre se enche
Da melhor gente da terra
Em faustos, recepções.
Augusto Meira recita
Seu romantismo, amores,
Juvenal louva com graça

As virtudes da preguiça.
No salão nobre os Barões
Do Ceará-Mirim assistem
A toda festa, ar sisudo,
Nos retratos da parede
Iluminada do espanto
Das arandelas azuis.
Dobé, Izabel Augusta,
Tão caridosa, tão santa,
Interroga: onde é que está
Meu neto Nilo? O engenho
Desmorona com a vida?
Vou morar na Rua Grande?
Na sala azul e conversa
São as cenas da moagem.
História do "São Francisco"
Repetida a toda gente:

No ano sessenta e oito
Insistiram com o Barão
Toda a vantagem haveria
De assumir a P_esidência
Da Província, potiguar.
Demais, estando em Natal
Evitaria a doença
Um surto de catapora
Que assolava no vale.
O Barão pouco pensou
Pra responder, afirmando:
Eu prefiro as cataporas.
E ficou na Casa Grande.

Anoitecendo no vale
Os sinos de uma capela
Tocam chamando o silêncio.
Tia Augusta vai cantar
Para o menino dormir
Cantigas de antigamente.
A vida, a sorte, a madrasta
Carinho de mãe não tem:
"Carpinteiro de meu pai
Não me cortes os cabelos
Que minha mãe penteou,
Minha madrasta cortou
Pelo figo da figueira
Que o Passarim beliscou".

Na sala de rosa cor
Explode o riso das moças
Tia Augusta Vaz Pereira
Toca valsas no piano
De cauda, sons multicores.
Retrato de sinhá-moça
Belinha, Pacheco Dantas,
Encantada mas risonha,
Ama os saraus da família.

Tio Riquete Pereira
Levemente aborrecido
Com leitura interrompida
Fecha o volume de Eça
No sofá, frisos dourados,
De repente, tudo volta:
Pára a moenda, alambiques,
Uma procissão de sombras
Se mistura a todos nós
No mistério da ausência,
Os pirilampos do vale
São círios da noite escura,
O Guaporé remergulha
Na quietude da morte.
O tempo, velho alquimista,
Joga o verde em nossos olhos,
Dá outra vida ao-que-foi
Na beleza restaurada:
Deus caprichou neste vale
Na manhã da criação
Em verde, luz, soledade.

Poema enviado pela escritora 
Lúcia Helena Pereira...
...e que encontra-se em seu acervo desde 1994.

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ELIANA PEREIRA
(filha de Nilo Pereira)
DEIXOU UM COMENTÁRIO
SOBRE A POSTAGEM
"GUAPORÉ. POR: Diógenes da Cunha Lima"


Ceicinha,
Você me traz hoje as mais belas recordações, num Poema do mais alto nível e de sensibilidade, que só existe em poucos. Muito lindo!!

Tudo lembra o meu pai. E a foto? Deus dos céus !!!!
Permitam- me que eu chore por tudo que é o retrato fiel de papai (Nilo Pereira)....

As minhas lágrimas resumem o meu comentário e dão um desfecho de muitas saudades...
beijos, Eliana Pereira 

2 comentários:

  1. Ceicinha,
    Você me traz hoje as mais belas recordações, num Poema do mais alto nível e de sensibilidade, que só existe em poucos. Muito lindo!!

    Tudo lembra o meu pai. E a foto? Deus dos céus !!!!
    Permitam- me que eu chore por tudo que é o retrato fiel de papai (Nilo Pereira)....

    As minhas lágrimas resumem o meu comentário e dão um desfecho de muitas saudades...
    beijos, Eliana Pereira

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  2. Ceicinha:

    Associo a minha pessoa às palavras e ao sentimento de minha irmã, Eliana Pereira, que, com o seu poder de síntese, traduziu bem o nosso regozijo diante desse poema do escritor, poeta e advogado, nome/renome da cultura rio-grandense-do-norte, nordestina e brasileira, que é o Dr. Diógenes da Cunha Lima.

    Eliana, de quem podemos atestar ser, no plano intelectual, como escritora e dona de adensada cultura, a herdeira do nosso Nilo Pereira, acolhendo e recolhendo todos os pendores do nosso pai, tido como oceânico nos seus saberes diversos.

    O poema do Dr. Diógenes, segundo ele próprio, foi a maneira como ele ouviu/interpretou o emocionante e inesquecível discurso do meu pai, escritor Nilo Pereira, quando da inauguração, em 1978, das obras de restauração da Casa Grande do Engenho Guaporé, uma solenidade prestigiada por diversas autoridades e personalidades, sobretudo pela prima Lúcia Helena Pereira, também poeta e escritora, que se comunicava muito com o meu saudoso pai, através de cartas que. hoje, já reclamam, para gáudio dos Pereira, uma publicação. Deixo aqui essa sugestão.

    Ceicinha: mil vezes obrigado por essa veiculação no seu prestigiado blog. Agradeça ao poeta Diógenes da Cunha Lima esse fecundo e belo poema, fruto da sensibilidade dele, sem falar na grande amizade sedimentada entre os dois: papai e o Dr. Diógenes, um e outro artesãos da palavra.

    Afetuosamente,

    Roberto Pereira.

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