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domingo, 17 de outubro de 2010

DIÁLOGO ENTRE DOIS INTELECTUAIS: Geraldo Pereira X Pedro Simões.

PEDRO SIMÕES DIZ...

Caro(a) amigo(a)
Diretamente do blog de Lúcia Helena, fiz cópia da troca de correspondência entre o ilustre Geraldo Pereira, médico e escritor pernambucano, membro do Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco, filho do ilustre norte-riograndense Nilo Pereira, e eu, modestissimo escriba dos alagadiços de Ceará-Mirim, a propósito da cultura e da criação da Academia Cearamirinense de Letras e Artes. 
Só por isso, porque a troca de idéias transborda o coloquial e íntimo para alcançar o interesse dos que militam nas lides intelectuais,  faço repasse do assunto.
Bom domingo
Pedro Simões

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GERALDO PEREIRA (*)

Pedro - Tu és pedra e sobre esta pedra edificarei....

Você tem o prenome muito apropriado à empreitada em que vai se lançando, isto é à criação da ACLA, cuja finalidade, já posso perceber de logo, será a de movimentar a cidade em torno da cultura; cultura tomada na mais larga acepção do termo, envolvendo a literatura, na qual encontra abrigo a prosa e o verso e as artes de maneira geral. Há quem critique uma certa proliferação das casa acadêmicas, mas eu sou inteiramente favorável à esse esforço, sobretudo em cidades assim, nas quais se tem um movimento espontâneo das letras e de outras manifestações artísticas.
Com toda certeza a sua Casa será uma instituição filha da mãe de todas as outras no mundo inteiro - vou lhe mandar um artigo meu sobre o Desafio da Academia -; filha da primeira de todas, em terras nas quais vicejou Platão, nos jardins de Academus, daí o nome. Mas, filha também, da antiga e nunca velha Academia Francesa, com os seus 40 membros, onde esteve sentado o Cardeal Richelieu. E por ai vai! Feliz de uma cidade que conta com gente como você, capaz de dinamizar o humanismo. O meu pai, fiho desse telúrico recanto, iria, com toda certeza, vibrar com essa iniciativa. Alvíssaras, diria ele!
Digo-lhe, todavia, o seguinte, para a sua reflexão: qual será a contribuição de acadêmicos residentes fora dos limites do município ou fora dos limites do Estado? Insisto com isso, porque fiz parte aqui de uma academia na cidade de Pesqueira, em Pernambuco, ocupando, justamente, a cadeira que tinha Nilo Pereira como patrono. Fui à posse, uma festa muito bonita, mas não pude frequentar. Os meus pares se não moravam na cidade, eram filhos de lá e vez ou outra voltavam à terra natal, com mais facilidade. Em que pese o meu sentimento de quase pertencimento ao Ceará-Mirim, eu não serei dos mais assíduos, você compreende isso. A vida tem sido para todos nós uma sequência de compromissos que assustam tantas vezes. Academicos assim, residentes noutros lugares, não trarão ao sodalício que vai se instalando dificuldades? Para mim, entretanto, pertencer à Casa será uma grande honra, ocupar a cadeira que terá como patrono o meu pai, ainda mais, porém não quero causar transtorno, como acho causei em Pesqueira, até sair. Pense nessas coisas e me diga, mas se optar pela presença de um filho de Nilo, me dê essa prioridade e esse privilégio.

Geraldo Pereira

PS - Segue o artigo, publicado aqui no Recife na revista AlgoMais, um periódico muito bem conceituado. Tavez você possa fazer um discurso na instalação falando das origens e explicando, não aos acadêmicos que já sabem, mas ao público de onde vieram essas
 associações. 

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PEDRO SIMÕES NETO (**)


Caro amigo Geraldo Pereira, dignissimo herdeiro do glorioso Nilo Pereira

Atendendo às suas oportunas e pertinentes observações, devo preliminarmente sclarecer que entendo cultura como um processo sociológico, antropológico, histórico, não apenas as manifestações literárias e artísticas, mas o próprio modo de dizer-se de uma nação, os seus aspectos geopolíticos, econômicos - um processo enfim, e civilizatório.
Há muitos anos que um grupo de queridos amigos me querem entre eles na Academia Norteriograndense de Letras, não por qualquer valor intelectual que eu possa ter, mas por afeição, talvez para acarinharem a minha pré-velhice. É uma honra que, atualmente, estou inclinado a aceitar, sobretudo em razão dos magníficos quadros acadêmicos que compõem esse entidade, mas que não a acolhi no passado, exatamente por não concordar com o aspecto unicamente beletrista que envolve as instituições dessa natureza, colidente com o meu conceito de cultura, como expressei no início. Hoje esse conceito evoluiu e mudou para muito melhor. A Academia Norteriograndense, por exemplo, se interioriza sob inspiração do nosso líder Diógenes. Com o seu apoio criou-se a Aacademia Macaibense e agora a Cearamirinense.
Não discordo da idéia de salvaguardar e difundir a literatura, até mesmo porque, desde cedo sou um cultor dessa expressão intelectual. Não a aceito como missão exclusiva da elite intelectual, exatamente o grupo que deveria estar mais comprometido com as mudanças sócio-culturais, pois que intelectuais, cérebros privilegiados, adestrados a lidar com questões complexas.
Não podemos aceitar, dada às condições do nosso país, emergente mas ainda insuficiente, incipiente, carente, a omissão quanto à nossa participação nesse novo e duplo processo de "descobrimento e independência" nacional, com reais chances de aportar de modo seguro em ancoradouros de desenvolvimento sócio-econômico.
Pelo exposto, caro amigo, é diferente a minha concepção acadêmica - et vive la difference!
A Académie Française, alento da cultura ocidental, fez a diferença no aspecto político-filosófico - que Malraux não me desminta - e inspirou a nova República Francesa, iniciada a partir de De Gaulle.
A nós cabe também o realinhamento da Política (com P maiúsculo) inserindo-a num contexto ético, mas sobretudo, contribuirmos com o privilégio da nossa formação inteletual, para o aperfeiçoamento ds instituições que servem à nossa "aldeia"
Claro que não podemos compará-la à modestissima agremiação provinciana. Mas temos cá as nossas pretensões.
Por exemplo: o município de Ceará-Mirim atravessa uma crise sem precedentes. Carece de perspectivas, de crença num futuro próximo ou remoto carregado de esperanças. Carece sobretudo de modelos, de alternativas para o enfrentamento e saída desse "débacle".
Estamos organizando (nós, a Academia) um seminário com painelistas ilustres onde debateremos a educação, a cultura, a segurança pública, a infraestrutura de serviços essenciais, um modelo alternativo para a economia, a questão do emprego & renda...por aí. Já formulamos pré-convites a alguns
especialistas dessas áreas que não apenas confirmaram as suas participações, mas manifestaram pleno entusiasmo com a iniciativa.Então, veja bem: se cuidássemos da preservação dos valores culturais da nossa terra e os difundíssemos, já teríamos dado sentido e justificativa ao empreendimento - e vamos preferencialmente fazer isso. Mas não apenas isso. Vamos às escolas, aos sindicatos, às agremiações culturais e desportivas, inclusive e principalmente aquelas ligadas às manifestações da cultura popular, aos jovens - cinema, música, fotografia, comportamento. Há muito o que fazer e pouco tempo para fazê-lo (principalmente para um quase-velho adoentado como eu).
Mas, tanto quanto os museus e bibliotecas, precisamos dinamizá-los para retirá-los da estática que os torna de certo modo, ociosos, desimportantes.
Bertrand Russell, o notável pensador inglês entende que a principal mudança verificada no "pathos" social do século contemporâneo (ele se referia ao século XX) era a mudança do valor "bom" ou "bem" pelo conceitp de "útil", donde seria bom o que fosse útil, aplicável. Bem dentro do chamado pragmatismo americano de William James. Imagine-se no século XXI , a era tecnológica, em que importante é o saber-fazer aplicado...!
Eis a questão que se afigura como Shakespeareana: o que fazer com os nossos bens culturais? Com o venerando Guaporé, por exemplo para que eles não se banalizem, não se tornem coisas mortas como os arquivos, que só servem aos pesquisadores? Que não se tornem "inutilitários" ou bens ociosos frente a essa "nova onda" (ver Toffler) que, qual um Tsunami, varre da face da terra tudo que não tenha um sentido utilitário (sobremodo econômico)...
Quanto à sua perticipação, meu querido amigo, é valiosissima. Como já disse poeticamente, ratifico, pragmaticamente. Você será a ponte entre o Capibaribe e o Ceará-Mirim. Por seu intermédio chegaremos à Mauricéia, a nossa capital cultural e o berço da nossa civilização potiguar.
A internet, operando em tempo real, com som e imagem, a possibilidade de nos
 comunicarmos por correspondência instâsntanea pelo mesmo processo, nos faz muito próximos. Tanto que, ultimamente, numa troca de opiniões com alguns colegas professores a respeito de um projeto de "educação à distância" que cogitamos para o InDEC (orgão da iniciativa privada para a educação especializada) discordamos da expressão "presencial", que respeita à presença física do aluno às aulas, preferindo utilizar as expressões "presença holográfica" e à "presença física" do participante. Naturalmernte fazíamos jogo de palavras, mas indica a eficiente e competitiva interatividade interpessoal por esse veículo.
Contamos com você.
Um grande abraço e um bom final de semana.


Pedro Simões


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(*) Médico e escritor pernambucano, filho de Nilo Pereira.
(**) Advogado e escritor cearamirinense.


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