DE VOLTA AO PASSADO - PARTE 1
Hoje eu lembro com saudade o tempo que passou.
O tempo passa tão depressa mais em mim deixou.
Jovens tardes de domingo tantas alegrias.
Velhos tempos, belos dias . .
(Roberto Carlos).
O tempo passa tão depressa mais em mim deixou.
Jovens tardes de domingo tantas alegrias.
Velhos tempos, belos dias . .
(Roberto Carlos).
Desde a última sexta-feira, 13 de maio, quando foi publicado o artigo, “OS PÁSSAROS VOLTARAM”, tenho recebido grande quantidade de e-mails e telefonemas que tratam do assunto. São amigos e também pessoas anônimas, dizendo-se gratificadas pela oportunidade que tiveram de, ao lerem a crônica, voltarem no tempo, mais precisamente aos anos 60 e 70, quando nessa época, moravam na cidade de Natal.
Ao colocar naquela crônica minhas reminiscências que se misturavam as emoções, no momento em que desenvolvia o texto, não imaginei que aquelas histórias se assemelhavam as de tantas outras pessoas. Histórias que já não conseguimos lembrar, pois o ritmo dos acontecimentos imposto pelo mundo globalizado, não deixa espaço para esse tipo de saudosismo. Somente aqueles que se aventuram a mergulhar num passado - não tão distante - movido às vezes por acontecimentos ou situações do presente, são premiados com esse tipo de emoção.
Dentre os vários e-mails que recebi, fiquei comovido com um recebido de Teresina-PI, enviado por Luiz Fernando Pereira de Melo: “Amigo Ormuz, li o artigo e tive o prazer de retorna a rua Vigário Bartolomeu 625, onde morei na infância. La ia sempre ao velho mercado compra as rodas dos nossos caminhões e também as belas frutas que ali eram vendidas. É muito bom relembrar o passado, principalmente o nosso que tivemos um grande privilegio de ter uma cidade como Natal dos anos 60 e 70. Um grande abraço e obrigado pelo prazer de retornar a minha infância.
Do Recife, assim se manifestou outro amigo, Geraldo Pereira filho do saudoso Nilo Pereira: “Lembrei de meu tempo de menino, quando pegava canário no quintal de casa, alguns de um amarelo que dava gosto de ver. Hoje em dia, em Aldeia, mais ou menos uns 20km daqui, ainda os vejo, mas são raros. Por lá tenho em quantidade saíras as mais diversas, sabiás e bem-te-vis, mas também guriatãs e tenho um vizinho e amigo, a quem hei de mandar sua crônica, que passa o dia observando os pássaros em sua casa.”
De Brasília o poeta Ciro Tavares me envia o seguinte e-mail: “Caro Ormuz: Sou desse tempo. Nasci na Deodoro, numa casa que meu pai alugou ao Palatinik e onde vivi bons momentos. Deixei a Deodoro pela Rua Assu, quando construímos uma casa. Sempre estive ligado à área, aos pés de fícus que o Ângelo, prefeito, resolveu destruir. Brinquei na Praça Pio X e sou testemunha da construção do cinema Rio Grande. Fui assíduo freqüentador dos papos noturnos, na esquina com a Rua João Pessoa, onde, aos domingos a mulherada gostava de fazer footing para nossa admiração. Sou do tempo do bondes que passavam acionando suas campainhas para Petrópolis. Ali também, o médico, já falecido, Costa Neto e eu esperávamos o transporte para nos levar para o americano Batista, no Barro Vermelho, onde conheci Carlos Gomes e Terezinha. Ali também deslumbrei-me com a beleza e o porte helênico de Marilda Freire, filha do médico Antônio Freire. Ali conheci José Evaldo Caldas, meu maior amigo por mais de 60anos. Os pássaros voltaram e nós não podemos fazer o mesmo. Forte abraço.”
Já da vizinha cidade de Fortaleza recebi de uma leitora a seguinte mensagem: “Ormuz, os pássaros, sempre voltam. Você, por exemplo, é prova disso. Aí está, me enviando e-mail e me convidando a cantar Geraldo Azevedo e apreciar um pouco de sua infância, em Natal (cidade que adoro). Lúcia Bezerra de Paiva.
De Natal recebo do amigo Joaquim de Medeiros Neto: “Caro amigo e confrade Ormuz: Nunca na minha vida tinha lido uma crônica como a da "volta dos pássaros"! Concebida e escrita com o espírito e o coração de menino. Meus parabéns estrelado pela bela crônica. Um grande abraço.”
Todas essas manifestações e outras que recebi e continuo recebendo, me deixaram particularmente comovido e emocionado. Primeiro por ter conseguido através de algumas linhas escritas com a mais pura emoção, propiciar aos leitores um mergulho maravilhoso na sua infância não muito distante. Tenho certeza que nessa viagem ao passado, muitas outras lembranças vieram se juntar àquelas que estavam sendo descrita. Lembranças que se encontravam escondidas no escaninho da memória afetiva, e que às vezes são desencadeadas por um simples cheiro, uma música ou, como nesse caso, por uma narrativa.
Quando escrevia essa crônica, meus pensamentos me levaram a passear pela Avenida Deodoro da Fonseca lá pelos anos 60. As lembranças me chegavam aos borbotões numa avalanche que não conseguia conter. Fechei os olhos por um momento e diante de mim, sugiram vários personagens que convivi naquela época. Via desfilar pela calçada os freqüentadores do bar e restaurante “A Palhoça” do saudoso João Damasceno, que ficava bem em frente a minha casa e vizinho ao Cine Rio Grande. Lá era o ponto de encontro de políticos e pessoas influentes da nossa sociedade, e que lá comparecia todo final de tarde para se deliciarem com os tira-gostos que eram servidos, principalmente os feitos a base de frutos do mar, especialidade da casa.
Cotenido, Poti, Luiz e Batuíra sempre estavam por perto ajudando o pai. Cotenido, por ser o gerente do restaurante, era o que mais convivia conosco e por isso de quem mais me recordo. Seu nome, dado pelo pai, foi inspirado nos dizeres grafados em latas de azeite de oliva importado da Espanha (cotenido neto) que, traduzido para o português, significa conteúdo líquido. Seu pai convivia com esses produtos importados no tempo em que trabalhava com Guglielmo Lettieri, proprietário da famosa Cantina Lettieri. O velho Lettieri também era proprietário da única fabrica de gelo de Natal na década de 30.
Registre-se, entretanto que, democraticamente, A Palhoça também era freqüentada por estudantes “lisos”, principalmente os dos colégios Marista e Atheneu. Ao final das aulas ou mesmo fazendo alguma “gazeta”, apareciam por lá. Era a época que se iniciavam na arte de degustar uma boa “loira suada”; uma “cuba libre” ou simplesmente, um Rum Merino puro com gelo. Essas bebidas por serem mais baratas estavam ao alcance de todos. Contudo, vez por outra, era preciso fazer um acordo com Cotenido, e “pendurar” a conta por inconteste falta de recursos financeiros, mesmo apelando para a famosa “vaquinha”. Nesses casos, o pagamento ficava para a próxima semana, ou quem sabe, o próximo mês.
Às vezes também disputávamos o pagamento da conta, ou parte dela, na “porrinha”, jogo em que os parceiros tentam adivinhar a soma dos palitos ocultos na mão dos participantes. No início dos anos 70, um fato acontecido naquele restaurante alojou-se em minha memória de maneira que todas as vezes que passo em frente ao local, me lembro do acontecido. Como na época morava do outro lado da rua, especificamente na casa de número 622, era comum saber tudo de extraordinário que lá acontecia. Certo dia fui surpreendido com uma aglomeração que se formava diante de um dos compartimentos – na entrada do restaurante havia vários camarotes cobertos e divididos por palhas de coqueiro onde se encontrava uma mesa de madeira, retangular, ladeada por dois bancos do mesmo tamanho -, ao me aproximar do local pude ver o que ocorria. Diante da mesa, vários senhores alguns sentados e outros em pé, bebiam e conversavam animadamente, porém, a atenção estava voltada para uma dupla que disputava, qual deles agüentaria beber a maior quantidade de cerveja. Quando os vi, não me surpreendi, pois a Cidade inteira tinha conhecimento de que eram grandes amigos, igualmente boêmios e quando na companhia com outros amigos, a abundância se fazia presente, e a tristeza não tinha lugar à mesa. Eram eles: Dr. Roberto Freire e o Senador Luiz de Barros. Infelizmente não soube quem venceu aquela animada disputa. Mas, bem tarde da noite quando fui para casa, a dupla ainda bebia e conversava animadamente com se tivesse iniciado a farra naquele instante. Em cima da mesa e no chão, já não tinha onde colocar garrafas vazias. Esses dois senhores fizeram historia e não deixaram seguidores.
ORMUZ SIMONETTI
VISITE: Genealogia e História
Ao colocar naquela crônica minhas reminiscências que se misturavam as emoções, no momento em que desenvolvia o texto, não imaginei que aquelas histórias se assemelhavam as de tantas outras pessoas. Histórias que já não conseguimos lembrar, pois o ritmo dos acontecimentos imposto pelo mundo globalizado, não deixa espaço para esse tipo de saudosismo. Somente aqueles que se aventuram a mergulhar num passado - não tão distante - movido às vezes por acontecimentos ou situações do presente, são premiados com esse tipo de emoção.
Dentre os vários e-mails que recebi, fiquei comovido com um recebido de Teresina-PI, enviado por Luiz Fernando Pereira de Melo: “Amigo Ormuz, li o artigo e tive o prazer de retorna a rua Vigário Bartolomeu 625, onde morei na infância. La ia sempre ao velho mercado compra as rodas dos nossos caminhões e também as belas frutas que ali eram vendidas. É muito bom relembrar o passado, principalmente o nosso que tivemos um grande privilegio de ter uma cidade como Natal dos anos 60 e 70. Um grande abraço e obrigado pelo prazer de retornar a minha infância.
Do Recife, assim se manifestou outro amigo, Geraldo Pereira filho do saudoso Nilo Pereira: “Lembrei de meu tempo de menino, quando pegava canário no quintal de casa, alguns de um amarelo que dava gosto de ver. Hoje em dia, em Aldeia, mais ou menos uns 20km daqui, ainda os vejo, mas são raros. Por lá tenho em quantidade saíras as mais diversas, sabiás e bem-te-vis, mas também guriatãs e tenho um vizinho e amigo, a quem hei de mandar sua crônica, que passa o dia observando os pássaros em sua casa.”
De Brasília o poeta Ciro Tavares me envia o seguinte e-mail: “Caro Ormuz: Sou desse tempo. Nasci na Deodoro, numa casa que meu pai alugou ao Palatinik e onde vivi bons momentos. Deixei a Deodoro pela Rua Assu, quando construímos uma casa. Sempre estive ligado à área, aos pés de fícus que o Ângelo, prefeito, resolveu destruir. Brinquei na Praça Pio X e sou testemunha da construção do cinema Rio Grande. Fui assíduo freqüentador dos papos noturnos, na esquina com a Rua João Pessoa, onde, aos domingos a mulherada gostava de fazer footing para nossa admiração. Sou do tempo do bondes que passavam acionando suas campainhas para Petrópolis. Ali também, o médico, já falecido, Costa Neto e eu esperávamos o transporte para nos levar para o americano Batista, no Barro Vermelho, onde conheci Carlos Gomes e Terezinha. Ali também deslumbrei-me com a beleza e o porte helênico de Marilda Freire, filha do médico Antônio Freire. Ali conheci José Evaldo Caldas, meu maior amigo por mais de 60anos. Os pássaros voltaram e nós não podemos fazer o mesmo. Forte abraço.”
Já da vizinha cidade de Fortaleza recebi de uma leitora a seguinte mensagem: “Ormuz, os pássaros, sempre voltam. Você, por exemplo, é prova disso. Aí está, me enviando e-mail e me convidando a cantar Geraldo Azevedo e apreciar um pouco de sua infância, em Natal (cidade que adoro). Lúcia Bezerra de Paiva.
De Natal recebo do amigo Joaquim de Medeiros Neto: “Caro amigo e confrade Ormuz: Nunca na minha vida tinha lido uma crônica como a da "volta dos pássaros"! Concebida e escrita com o espírito e o coração de menino. Meus parabéns estrelado pela bela crônica. Um grande abraço.”
Todas essas manifestações e outras que recebi e continuo recebendo, me deixaram particularmente comovido e emocionado. Primeiro por ter conseguido através de algumas linhas escritas com a mais pura emoção, propiciar aos leitores um mergulho maravilhoso na sua infância não muito distante. Tenho certeza que nessa viagem ao passado, muitas outras lembranças vieram se juntar àquelas que estavam sendo descrita. Lembranças que se encontravam escondidas no escaninho da memória afetiva, e que às vezes são desencadeadas por um simples cheiro, uma música ou, como nesse caso, por uma narrativa.
Quando escrevia essa crônica, meus pensamentos me levaram a passear pela Avenida Deodoro da Fonseca lá pelos anos 60. As lembranças me chegavam aos borbotões numa avalanche que não conseguia conter. Fechei os olhos por um momento e diante de mim, sugiram vários personagens que convivi naquela época. Via desfilar pela calçada os freqüentadores do bar e restaurante “A Palhoça” do saudoso João Damasceno, que ficava bem em frente a minha casa e vizinho ao Cine Rio Grande. Lá era o ponto de encontro de políticos e pessoas influentes da nossa sociedade, e que lá comparecia todo final de tarde para se deliciarem com os tira-gostos que eram servidos, principalmente os feitos a base de frutos do mar, especialidade da casa.
Cotenido, Poti, Luiz e Batuíra sempre estavam por perto ajudando o pai. Cotenido, por ser o gerente do restaurante, era o que mais convivia conosco e por isso de quem mais me recordo. Seu nome, dado pelo pai, foi inspirado nos dizeres grafados em latas de azeite de oliva importado da Espanha (cotenido neto) que, traduzido para o português, significa conteúdo líquido. Seu pai convivia com esses produtos importados no tempo em que trabalhava com Guglielmo Lettieri, proprietário da famosa Cantina Lettieri. O velho Lettieri também era proprietário da única fabrica de gelo de Natal na década de 30.
Registre-se, entretanto que, democraticamente, A Palhoça também era freqüentada por estudantes “lisos”, principalmente os dos colégios Marista e Atheneu. Ao final das aulas ou mesmo fazendo alguma “gazeta”, apareciam por lá. Era a época que se iniciavam na arte de degustar uma boa “loira suada”; uma “cuba libre” ou simplesmente, um Rum Merino puro com gelo. Essas bebidas por serem mais baratas estavam ao alcance de todos. Contudo, vez por outra, era preciso fazer um acordo com Cotenido, e “pendurar” a conta por inconteste falta de recursos financeiros, mesmo apelando para a famosa “vaquinha”. Nesses casos, o pagamento ficava para a próxima semana, ou quem sabe, o próximo mês.
Às vezes também disputávamos o pagamento da conta, ou parte dela, na “porrinha”, jogo em que os parceiros tentam adivinhar a soma dos palitos ocultos na mão dos participantes. No início dos anos 70, um fato acontecido naquele restaurante alojou-se em minha memória de maneira que todas as vezes que passo em frente ao local, me lembro do acontecido. Como na época morava do outro lado da rua, especificamente na casa de número 622, era comum saber tudo de extraordinário que lá acontecia. Certo dia fui surpreendido com uma aglomeração que se formava diante de um dos compartimentos – na entrada do restaurante havia vários camarotes cobertos e divididos por palhas de coqueiro onde se encontrava uma mesa de madeira, retangular, ladeada por dois bancos do mesmo tamanho -, ao me aproximar do local pude ver o que ocorria. Diante da mesa, vários senhores alguns sentados e outros em pé, bebiam e conversavam animadamente, porém, a atenção estava voltada para uma dupla que disputava, qual deles agüentaria beber a maior quantidade de cerveja. Quando os vi, não me surpreendi, pois a Cidade inteira tinha conhecimento de que eram grandes amigos, igualmente boêmios e quando na companhia com outros amigos, a abundância se fazia presente, e a tristeza não tinha lugar à mesa. Eram eles: Dr. Roberto Freire e o Senador Luiz de Barros. Infelizmente não soube quem venceu aquela animada disputa. Mas, bem tarde da noite quando fui para casa, a dupla ainda bebia e conversava animadamente com se tivesse iniciado a farra naquele instante. Em cima da mesa e no chão, já não tinha onde colocar garrafas vazias. Esses dois senhores fizeram historia e não deixaram seguidores.
ORMUZ SIMONETTI
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