APENAS UMA CADEIRA VAZIA
Ciro José Tavares ()
Ciro José Tavares ()
“Sou uma triste visão para os meus amigos!”
Ésquilo, em Prometeu Acorrentado.
Lembro como se fosse hoje do entusiasmo do meu pai. Eu tinha 10 anos e saboreei fascinado a notícia. Entre oitenta candidatos de 23 paises, nosso Oriano de Almeida, finalista do IV Concurso Internacional Chopin, em Varsóvia, submete os julgadores e ganha seu diploma de honra e um prêmio Chopin. A onda do orgulho invadiu a cidade que a partir de Luís da Câmara Cascudo, seu professor de História da Música no velho Instituto de Música do Rio Grande do Norte, na Ribeira, e outras figuras representativas da nossa vida cultural, aplaudiram e comemoraram a vitória. Nascido em Belém do Pará veio para Natal menino trazido pelos pais e aqui profundamente fincou suas raízes. O primo Waldemar de Almeida, recém chegado da Alemanha, anteviu seu enorme potencial durante breve execução de algumas peças ao piano e decidiu conduzi-lo seriamente ao universo da música. Forçado pelas circunstâncias do ofício esteve muito tempo ausente, contudo sempre prisioneiro das lembranças da infância e da juventude, entre elas o batismo na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação e as aulas do Atheneu, que acabaram fazendo de Natal seu estuário permanente.
Aos 12 anos inicia sua atividade de concertista na cidade do Recife apresentando um repertório que hoje poderia ser incluído num programa do famoso Carnegie Hall e antes dos 20 anos é aplicado aluno desta lenda do piano brasileiro que é Magdalena Tagliaferro de onde efetivamente partiu para tornar-se um cidadão do mundo e conquistar, uma após outra, as platéias de Paris, Roma, Varsóvia, Madrid, Barcelona, Buenos Aires e Nova York. Nos períodos livres de sua agenda de compromissos profissionais regressa atraído pelo sentimento atávico que jamais o abandonou. Não procura o Rio ou São Paulo. Prefere o refúgio do bairro de Petrópolis ainda que não mais existam as sombras das árvores do sítio São Cristóvão, sagrado feudo de Waldemar de Almeida. Sua Canção para Natal, com a letra simples e saudosa de Waldemar Henrique, resgata o passado fixado nas retinas, jardins floridos, casas de telhas avermelhadas, dunas banhadas de luas e velas brancas no rio Potengi.
Recentemente fui visitá-lo no Hotel Sol, onde se exilou depois da aposentadoria. Quando hóspede tínhamos o hábito de conversar demoradamente duas vezes por dia, depois do almoço e do jantar, sentados na estreita recepção. Sua cadeira diante do aparelho de televisão que só acendia para saber das notícias ou se divertir com desenhos animados.Cheguei no horário e não o encontrei. Os funcionários informaram que ele não mais descia do apartamento, usava cadeira de rodas, alimentando-se moderadamente. Falamos pelo telefone e sua voz transmitia incrível melancolia. Deixei o hotel deprimido, cabisbaixo e indignado com a absurda insensibilidade da cidade, principalmente dos poderes públicos. Em nenhum momento, por quase dez anos recebeu a cortesia de um telefonema do Governador do Estado, do Reitor da Universidade, do Prefeito da Capital. Aquele gênio do teclado, a quem todos nós devíamos tanto, estava esquecido e recluso na Santa Helena dessa figura admirável que é Fernando Paiva e seu público reduzido a Cláudio Galvão, Luiza Maria Dantas, Enélio Petrovich. Sônia Cavalcanti, José Anchieta Ferreira, Onofre Lopes Junior, Olímpio Maciel, João Maria Monte e Ives Bezerra. Lembrei-me de outrora, quando chegava vitorioso coberto pela fama que merecia, notícia das primeiras páginas dos jornais, o saguão do aeroporto, pequeno para os que vinham recepcioná-lo. E no silêncio da decadente rua João Pessoa olhando a Catedral, murmurei os versos de Calderón De La Barca na obra A Vida é Sonho, “segue esta luz e saberás dela o que foste e és”.
Que o Estado e a cidade despertem, pois o nosso Oriano de Almeida, idoso e enfermo requer a atenção devida a todos os gênios, para não ser, hoje e amanhã, apenas uma cadeira vazia.
(*) Advogado e escritor potiguar residente em Brasília.
Gostaria de agradecer as belas palavras escritas em as "Crônicas para Oriano de Almeida" meu tio, irmão de meu pai todos de uma linhagem que já não existe mais.
ResponderExcluirTio Oriano foi um dos maiores pianistas que o Brasil já teve e como diz na sua mensagem muitos dele se esqueceram, sendo alguns poucos se importavam com ele e dele cuidaram na sua enfermidade.
Um grande abraço, e mais uma vez MUITO OBRIGADO.
RAYMUNDO CORREA DE ALMEIDA NETO
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ResponderExcluirBOA NOITE!!!
ORIANO DE ALMEIDA! É MEU TIO. IRMÃO DO MEU FALECIDO PAI OSSIAM CORRÊA DE ALMEIDA.
EXCELENTE!
Bela homenagem! Oriano é primo de meu pai Lailson Correa de Almeida, filho de Ranilson Correa de Almeida.
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